- tempo_

laether_mad


será que um dia você para e repara não só nas minhas falas, nos meu atos, contratos de outros momentos?

                                                                           talvez daqui a algum tempo

- no movimento das suas prioridades e resoluções -

você me abrace só para sentir o que é amar.

                             sem tentar entender.

Luiza

 `girltripped

Luiza foi criada numa cidade pequena do interior. Acordava cedo para estudar. Voltava do colégio e almoçava com os pais. Na janela da cozinha, perto da mesa do almoço, Luiza via flores e frutos de maracujá e observava as borboletas no jardim. De tarde, Luiza ajudava ao pai na banca de revistas. O pai de Luiza gostava de ler Marx, e estudava vários sistemas econômicos.  Para aprender um pouco sobre capitalismo, Luiza só ganharia mesada se ajudasse nos afazeres da família. E Luiza ajudava. Luiza preferia ler O Pequeno Príncipe e não gostava das capas dos livros de economia que o pai guardava na estante do escritório. Luiza achava mais interessante ajudar a mãe a cuidar das flores do que ajudar o pai a vender revistas. Mas, para o pai de Luiza, as revistas eram mais importante dos que as flores. Os pais de Luiza se importavam com a idade de criança de Luiza e, para que ela aprendesse a brincar - porque os adultos acham que brincar é coisa que precisa de ensino -, matricularam Luiza em aulas de balé, de canto, de piano e de inglês. Mas Luiza queria era brincar de circo e olhar vaga-lumes de noite. Mesmo assim, Luiza não faltava às aulas de balé, de canto, de piano, e de inglês. Só uma vez Luiza não foi à aula de balé para tomar sorvete com um menino que ela achava bonito. Mas o pai de Luiza descobriu e ela ouviu um sermão feio naquele dia. Luiza também gostou de um colega das aulas de canto, mas o pai de Luiza dizia que namorados ela só teria depois dos quinze anos. O pai de Luiza gostava de convenções sociais e datas festivas e achava que quinze anos era a idade de apresentar Luiza para a sociedade.  Luiza começou a namorar aos dezesseis anos, embora aos doze tenha dado o primeiro beijo na boca. Naquela época, beijo na boca em menina de doze anos era encostar os lábios num selinho bem de leve. Mas hoje não é mais. Hoje encostam-se as mãos, os lábios e o corpo todo em uma só noite. E Luiza gosta porque agora pode dar beijo na boca sem ouvir sermão. Luiza sempre foi muito organizada. As roupas de Luiza eram bem cuidadas. No inverno, a mãe de Luiza fazia blusões de lã. A lã que a mãe de Luiza comprava não era macia e irritava a pele. Mas Luiza não queria que a mãe ficasse triste, por isso usava os blusões mesmo assim. Os irmãos de Luiza são mais velhos do que ela. Uma vez, eles contaram que também usavam os blusões de lã que irritavam a pele. Os irmãos de Luiza agora são ricos e só usam roupas de grife. E roupas de grife não irritam a pele. Luiza achava o irmão mais velho parecido com galã de novela. E ela, fazendo de conta que era a mocinha, adorava passear de mãos dadas com ele no centro da cidade pequena. Luiza ganhava do irmão mais velho papéis de carta coloridos e perfumados. Mas Luiza não gostava de colecionar nada. Nem papéis de carta. Rabiscava todos com poemas e letras de músicas. Um vez, Luiza tentou colecionar conchas do mar, mas  achou cansativo e desistiu da coleção. Colocou todas as conchas no aquário da casa do avô. O avô de Luiza era pescador e  guardava pequenos pedaços de cascos de navio em casa. O avô de Luiza era um colecionador. Luiza nunca foi colecionadora, mas sempre gostou de cuidar das plantas. Acontece que o apartamento  de Luiza é pequeno e não tem varanda, então Luiza precisa deixar os vasinhos na janela da cozinha. Do lado de dentro da janela da cozinha, porque, com a chuva, podem cair e machucar alguém. Luiza tem um gato persa, que ela chama de Atílio. Atílio porque ele é de cor parda e é muito ágil para um gato persa. Hoje, Luiza gosta de gatos, mas  também gostava de cachorros quando era criança. Só que Luiza não podia brincar com eles dentro de casa, porque lugar de cachorro era no pátio. Agora Atílio dorme na cama junto com Luiza todas as noites. Mas quando o namorado de Luiza dorme na casa dela, Atílio tem que dormir na sala, porque o namorado de Luiza é alérgico a várias coisas, inclusive ao pelo de Atílio. O namorado de Luiza fala alemão e inglês e tem os olhos azuis. O nome do namorado de Luiza é Domenico e ele trabalha com peças de computador. O namoro de Luiza é bonito, mas às vezes ela precisa ficar sozinha. E Domenico gosta que ela precise ficar sozinha, porque assim ele também fica e sente saudade. Os dois sentem muita saudade um do outro, mas Luiza não conta isso para ninguém. Luiza não fala muitas coisas porque é tímida. Luiza fez faculdade de química e trabalha no laboratório do tio. Ela gosta de fazer pesquisas e de organizar os tubos de ensaio em tamanhos, do pequeno ao grande. E ela gosta do que faz. Para Luiza, organizar tubos de ensaio com carinho é como organizar a vida com carinho. Luiza volta do trabalho sempre às oito horas. Mas nas quartas-feiras ela vai ao cinema.com Domenico. Luiza gosta de filmes  europeus. Domenico não gosta de filmes europeus, mas sempre acompanha Luiza. Eles se dão bem em outras coisas, então Luiza não se importa que Domenico prefira outros filmes. Domenico nunca falou para Luiza que ela tem os cabelos bonitos e por isso Luiza também nunca falou para Domenico que ela gosta de homens de barba, então Domenico faz a barba todos os dias para não irritar a pele de Luiza, como fazem os blusões da lã que não é macia. Os pais de Domenico e de Luiza se conheceram há pouco tempo. Conversaram sobre vários assuntos. O pai de Luiza conversou com o pai de Domenico sobre a Revolução Industrial. A mãe de Luiza e de Domenico conversaram sobre receitas de bolo. A rotina de Luiza é boa. Ela não reclama. Luiza sabe que a rotina é uma coisa que acontece e que passa e que são as pessoas que fazem a rotina ser boa ou ruim. Luiza aprendeu mais sobre as coisas da vida olhando os vaga-lumes e organizando os tubos de ensaio do que lendo Marx. Mas ela não conta isso para ninguém. Luiza não fala muitas coisas porque é tímida. E sabe que um dia as pessoas aprendem sozinhas que as coisas simples são muito mais bonitas do que as complicadas. E que não é preciso ler Marx para descobrir isso. Basta olhar vaga-lumes e organizar tubos de ensaio com carinho. Como se faz com a vida. Com carinho.  

Oriental

 Fá Goellner

gueixa
um feixe de luz nos cabelos
da menina de Pequim

moça no vestido colorido
um toque de anis
flor de lis
fitas e cores
lápis preto no olhos
só para ver o mar

frases em nanquim
escritas com
a precisão de um samurai
o toque do cetim
nas mãos que agora leem Balzac

o rito do vento
a dança das flores
cerejeira em flor

     mais cedo

primavera
em mim.