Carnaval

Sheila Wolk


Era para você olhar para a lua. E você, contrariando a ordem de todas as coisas, olhou para mim. Desviar o olhar, se você percebeu, é o que a alma faz para fugir das verdades. E é uma verdade sem fim essa de eu te amar desse meu jeito, complicado e doce, que já não é mais segredo para ninguém. E, por não ser nada secreto, seria melhor você sempre olhar para o céu, e não para os meus olhos. Porque eles, quando encontram os teus, se fazem bobos. Apaixonados. Ridiculamente apaixonados. E então eu não quero mais parar de te olhar. Mãos suadas, corpo em vulcão, e o coração que dispara feito bateria de escola de samba. Sim, eu sei, agora você vai brincar comigo dizendo que isso acontece na primeira noite de Carnaval. E depois passa. Porque essas coisas, quando acontecem entre amigos, como nós prometemos ser, sempre passam. Ou deveriam passar. Mas ficar com as tuas mãos nas minhas, por minutos que parecem uma vida, sem pensar em como o teu corpo foi feito para o meu, e em como o teu sorriso me dá paz, é impensável. Impossível, para falar a verdade, e não só improvável, como eu teimo em querer acreditar. Agora passaram todas as outras noites de folia e você foi embora. Não, bem lembrado, você não foi embora. Eu é que, desta vez, quis me despedir primeiro. Mas você entendeu, não entendeu? Eu precisava ir. Antes que os meus olhos encontrassem os teus. Outra vez.

De Carnaval

"Devia ter complicado menos,
trabalhado menos,
ter visto o sol se pôr.
Devia ter me importado menos
com problemas pequenos,
ter morrido de amor."







[a gata volta depois dos
confetes.]

:)

Confissões

Chi Wen

Talvez eu tenha cansado de escrever coisas bonitas. Cansada. É a palavra certa. Ou, quem sabe, eu tenha mais poesia em mim do que deveria. Coisas da vida, que, ávida, não me dá trégua. Posso perguntar que horas são? Ou já é tarde para os sonhos de hoje? Ah, sim, acordar para a vida! Quem comanda isso? Posso subir no trem das onze e não voltar mais. E, quem dera, esquecer o amor, os olhos de mar, e a saudade de tudo. Pode, também, tudo mudar, e eu querer voltar. E pode, ainda, ser tarde. Demais. Para mim. Ou talvez não seja. O fim. Finalmente em tempos de tempos outros. E bonitos. Você me pega no colo? De verdade? Me abraça e me diz, baixinho, que eu sou uma menina que chora? Ou melhor: uma menina bonita que chora? Já é quase março e eu preciso inventar um samba. Ou um amor. Mas me disseram, dia desses, que os amores inventados são complicados. De inventos não se vive um amor. Inventando, se vive correndo dele. Feito: prefiro um samba.

Despedida de Lilith

Alain Daussin


Foi aquela a noite em que ela resolveu viver o amor. Não que tenha escolhido data para tanto. Bastou permitir que sim. Porque, até então, ela, sempre tímida, se escondia em frases e feitos. Mas, sem medo, agora se entregou como nunca antes fez. Com a lua em tempo crescente, e sem esperança de qualquer outra coisa. Porque promessas são coisas frágeis e fáceis. E disso, ela tinha certeza, bastava. Entre eles valia mais um olhar do que qualquer parte fugaz das frases prontas. Em todas as vezes que se olharam, que se tocaram, que se uniram, a vida se fez bonita. E ela, dessa vez, fez do amar mais do que um verbo. Confessou saudade, loucura, desejo. Entregou corpo e sentidos. Mas, por tudo isso, e de tanto amar que cabia nela, ela sabia que precisava partir. Se ficasse ali [e ele pediu que ficasse], entre os lençóis e os abraços que parecem sempre acalentar a alma, não seria uma despedida. E o certo era que fosse, sim, um despedir-se. Porque fazia parte do deixar livre o amor. Fazia parte do libertar. Do amar mais do que o prender. Fazia parte de um amor que, do jeito deles, se faz o maior do mundo. E que, ainda que distante, é o amor mais bonito de todos os tempos.

Do tempo de recomeçar

Lauren Taglialatela


Cada recomeço é um passo. E não importa se você segue com calma. Ou com fúria. Recomeçar, em passos lentos, ou largos, é ter coragem para revolucionar. Para transformar o que não agrada, o que não basta, o que não dá cor aos dias. Recomeçar é ter cuidado com o tempo da alma, com o gosto das coisas, com os gozos da vida. Recomeçar é parar no segundo que antecede o medo para beber dos goles da força da vida, e, embriagando-se de tudo o que é bom, seguir adiante. Das coisas da minha vida, dos amores de toda ela, e de todos os meus tropeços, erros e acertos, os recomeços é que sempre me renovam, me transformam, e me fortalecem. Das conjugações do verbo que me faz renascer, se fazem todas as coisas belas da minha vida. E dos meus recomeços, enfim, eu sou feita.





de volta.
e nova.