Estrelas de céu e mar

Judy Mandolf

E era tanto mar, que Alice, nice como ela só, mal conseguia saber quanto azul havia ali. Ao lado do menino que a ajudava a catar aquelas conchas bonitas que ela guardava em um vidro, ela sorriu e falou, com as bochechas coradas que contrastavam com a pele alva e salpicada pelas sardas:

-Ah, é tão longe que você nem consegue visualizar, Henrique.

-Mas tão longe, Alice? Ontem mesmo você me disse que o longe não existe, lembra?

-Ontem falamos sobre outra coisa, Henrique. Hoje você olha para o oceano e tenta descobrir a que distância ele está dos nossos olhos.

-Esta parte eu sei, Alice. Eu vejo que o mar começa bem aqui, mas é impossível dizer com certeza até onde ele vai. Parece que só termina quando encosta no céu.

-Henrique, olha o céu! O sol já deu lugar às estrelas.

-Agora você vai querer contar as estrelas, que eu sei. E onde eu guardo as conchas, Alice?

-Eu guardo. Você só me abraça e faz desenhos no céu com as estrelas.

-Mas eu não sei desenhar, Alice. Já falei isso quando você me pediu para rabiscar nas nuvens.

-E mesmo sem saber você desenhou coisas bonitas. Vamos tentar com as estrelas?

-Então não vamos mais falar sobre a distância?

-Amanhã conversamos sobre a distância, Henrique. Agora me dê a mão, e olhe para o céu...

Das fadas


"E nessa noite Oriana, em vez de ir visitar o Poeta, encheu a margem do rio com pirilampos e fogos-fátuos e passou a noite a ver-se na água. Foi uma noite maravilhosa. Parecia uma festa extraordinária e fantástica no meio do silêncio e da escuridão da floresta. Os fogos-fátuos e os pirilampos eram iguais a estrelas pequeninas e Oriana via-se na água rodeada de luzes, de chamas e de sombras, com os seus olhos brilhantes, os seus cabelos luminosos, a sua coroa de lírios e as suas asas transparentes. E daí em diante nunca mais foi ver o Poeta."

[Sophia de Mello Breyner]


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Porque as fadas, e acho que só elas, conseguem transformar tristeza em poesia.

Acontece que...

Carroll Doyle - Born to kiss

Tudo bem. Este foi apenas mais um dia. Seguido de outro. Outro dia de palavras quando o corpo pede atos. E eu confesso que as palavras bonitas têm essa magia de mover os meus cílios em câmera lenta quando são ditas ou cantadas em poesia. Porque eu olho para as palavras como quem olha para o amor. Assim, devagar. Como quem acarinha. Mas e o amor dos acontecimentos, onde fica? O problema de eu ser toda coração é que, vez que outra, me perco nos versos e nas rimas. E esqueço o resto. Ou não esqueço. Talvez só adormeça. Para poder acordar de amor, quem sabe, algum dia.






:::::::: A garota do copo d´água. Quiet and lovely.
De lua. So lonely ::::::::

Ah [!], o ouvir estrelas...

Vega é a mais brilhante estrela da constelação de Lyra. Na mitologia japonesa, Vega é Orihime, personagem de uma das mais bonitas lendas de amor que conheço, e que deu origem ao Festival Tanabata, festa popular realizada no Japão, que decora as ruas e as praças com grandes ramos de bambu, enfeitados com papel colorido nos quais as pessoas escrevem seus pedidos.


Foto: http://www.nipocultura.com.br/


A lenda:

A princesa Orihime passava os dias tecendo roupas para seu pai, Tenkou, o Senhor Celestial, o qual, notando que a menina sentia-se muito só, apresentou-a ao jovem pastor Kengyu. Orihime e Kengyu se apaixonaram imediatamente e casaram-se em pouco tempo. Tão forte foi a paixão, que ambos esqueceram suas obrigações diárias. A moça não mais tecia e o pastor abandonara o gado. O pai de Orihime, indignado com tamanha irresponsabilidade, resolveu puni-los, transformando os dois jovens em estrelas, obrigando-os a morar em lugares opostos da Via Láctea. E assim foi. Percebendo, entretanto, o sofrimento da filha, Tenkou passou a permitir que o casal se encontrasse, porém apenas uma vez por ano, no sétimo dia do sétimo mês do calendário lunar, e desde que cumprissem a ordem de atender a todos os pedidos feitos na Terra nesta data. Segundo a lenda, todos os desejos são atendidos no momento mágico do encontro entre Orihime e Kengyu.

Aflo - Star Above Mt. Fuji


.a menina
que ouve estrelas
[...]

Sutil em flor


Eu não sei dessas coisas tuas. Tenho sorriso de criança, e não vivo sem a graça das palavras dos poetas. Não me peça para explicar. Meu coração não segue regras, nem tempo, nem ordens. Me dê espaço em cores. Em versos. Ao mesmo tempo, me invada com sons, sentidos e sentimentos raros. Não me prenda em conceitos, sujeitos, modernismos. Se me quiser perto, me ame, me adoce, me cuide. E me enlace em beijos e abraços. Não corretos, mas sinceros. Me regue, como se flor eu fosse. Flor de jasmim. De lis. Flor.





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Desire

"teu corpo seja brasa
e o meu a casa
que se consome
no fogo um incêndio
basta pra consumar
esse jogo
uma fogueira chega
pra eu brincar de novo."

[Alice Ruiz]


Bertram Bahner, Passion




nada mais...

...para a lua de hoje.

.post ao som de Lacuna Coil :)

Alma imoral


Sara já não sentia mais a saudade como algo ruim. A novidade, talvez, venha do fato de que ela, a menina de passos fortes e vestidos coloridos, não tinha medo do vazio. Porque estar no vazio era, enfim, poder criar, descobrir, e mudar o que quer que fosse. Entrar no vazio, despida dos conceitos e padrões com os quais conviveu durante anos, era como celebrar cada descoberta em um dia de festa. Era a hora de viver o que a alma, deliciosamente imoral, pedia. E Sara sabia, mesmo sem entender, que esperar era preciso. E era preciso para a alimentar a alma. Assim, de maneira tão delicada como a cor avelã dos olhos de Sara, a vida, essa vida que ela descobria de pouco em pouco, fazia a espera ser boa, suave, paciente. Pouco importava se o ato de esperar era correto ou errado. Importava que lhe fazia bem. E ela saiu, naquela bonita tarde de outubro, a cuidar, como nunca antes fizera, das mil flores da sua alma.


Bill Brandt, 1958

Assisti, neste final de semana, à A Alma Imoral, adaptação do livro de Nilton Bonder. Eu já me emociono naturalmente no teatro, mas a peça é tão bonita, humana [e divina ao mesmo tempo], que era impossível não referir no blog. Dos textos encantadoramente falados pela atriz Clarice Niskier, surgiram a inspiração para o post e a certeza de que a minha alma é, sim [e que bom!], assumidamente imoral.

Cortina de contas


Vez que outra eu conto um segredo. Nas cores de uma cortina de contas. Em conto ou poema. E, por que não, em fábulas? Elas lembram a minha infância. Da altura dos meus noventa e poucos centímetros, a estante de livros na sala de casa, há alguns anos, parecia gigante aos meus olhos. Mas os livros de fábulas, aquelas de Esopo, estavam sempre estrategicamente posicionados ao meu alcance [meu pai sempre soube das coisas!]. Nesse ponto, eu concordo com o Jorge Luis Borges: o paraíso deve ser algo parecido com uma livraria. Cheio de livros e de sorrisos. Ainda acredito no poder das fábulas para encantar os pequenos, mesmo não sendo tão miúda em relação aos móveis antigos da casa dos meus pais. Mas é por isso, por acreditar que amar é algo inocente, como um sorriso de criança, que me encantam as pessoas que guardam um pouco da magia das fábulas e da doçura infantil, ainda que depois de adultas. E é por isso, e agora vem a hora de revelar o que antes era segredo, que eu gosto tanto de presentes. Sim, presentes. Aqueles em pacotes coloridos e de qualquer tamanho. Vale a delicadeza do embrulho, a cor do laço, e o minuto que antecede a surpresa do que posso encontrar ali dentro. Descobri, dia desses, que é por isso que eu gosto de te desvendar assim, aos poucos. Como se estivesses, a cada dia, me entregando um presente. De talvez vidas outras que nem sabemos quantas. Mas é por isso que te olhar, mesmo de longe, se é assim que deve ser, é sempre doce, suave, leve. Por isso que te amo com frases de flores, nuvens e estrelas. Mesmo que não queiras, mesmo que não saibas. É por isso que te amo ontem, hoje, e sempre. Amor com as cores de uma cortina de contas.

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"Porque eu, meu amor, acho graça até mesmo em clichês."

[Adriana Calcanhoto]