Grávida

Jennifer Shaw


Estou grávida. Com vontade de parir. Ou, quem sabe, de partir. Por um instante. Ou para sempre. Posso estar grávida de mim, das coisas minhas, da minha vida toda. Grávida. E só. De solistência, solitude, ou solidão. Eu. Grávida dessas idéias que concebemos, sem saber muito bem quando, ou como, e que, tal hora, precisamos mostrar ao mundo. De algum jeito. Às claras. Ou em pausas. Mas, sim, grávida. De tudo o que eu ainda guardo em mim. A sete chaves, aos nove meses, e em três ou quatro vidas. Grávida. De gravidez ou de força de gravidade. Gravitacional. Tanto faz. Importa é que eu suporte a dor pelo gosto da criação. Basta é que se complete o ciclo. Em luas, ritos, ou poesia. Outra vez nasce, em mim, a vida.

Coisas perdidas em tempos não distantes

Raymond Gehman


Você deveria escrever mais cartas para mim, Juno. As suas ausências prolongadas me fazem sentir no meio do mar. Uma náufraga de amar, por assim dizer. Mas eu bem sei que você tem as suas ocupações, o seu dia cheio de trabalhos e a sua corrida vida de compromissos. Mas você lembra quando você me pegava pela mão, do alto - baixinho - dos meus cinco anos de idade? Eu virava gigante em pensamento. E te abraçava com todo o amor do mundo. E o mundo era ter alguém como você ali do meu lado. Tudo bem, eu sei que fui a menina mimada da casa, cheia de cuidados, protegida de todos os lados. Mas hoje você faz a mesma coisa, não faz? Eu sei que faz. E sei porque reconheço o brilho nos teus olhos quando a pequena vem ao teu encontro e te pede afago. Confessa: não é a melhor sensação do mundo? Enfim, Juno, o tempo passou. E hoje somos grandes. E aconteceu o que nunca se quer. Eu e você deixamos os abraços ficarem cheios de formalidades e de coisas sem graça. Trocamos as mãos dadas pela troca de presentes em ocasiões formais. Esquecemos - ou fazemos de conta que esquecemos - os laços, as risadas soltas, a cumplicidade das travessuras, o gosto leve das coisas da infância. De onde vem a culpa, se é que ela existe? Confesso que não sei. Talvez tenha sido por essas coisas da vida, que, vez ou outra, não entendemos e que nos fazem ficar aborrecidos. Mas, em tempo - e para falar das coisas que estão em nós sempre é tempo - saiba que você ainda é o herói de todas as minhas estórias animadas, ainda é o meu sentimento mais puro de afeto. Ainda é, apesar de todas as outras coisas, um pouco de mim.


Ana

[e Ana é irmã de Juno]

De tudo o que eu ainda não disse

Karen Frasco

Que todas as palavras bonitas cheguem em ti. E que todos os teus dias tenham as cores do céu em azul, nas molduras do pôr-de-sol do nosso primeiro outono. Que os meus beijos sejam teus nos nossos dias, noites, e outra vez em dias. Que o meu corpo e o teu sejam, em momentos nossos, um. E que todas as preces de todas os credos e cores permaneçam no teu coração. Por toda a vida. E além dela. Que, se houver lágrima, seja como o orvalho em manhãs bonitas e doces. E que de sorrisos se ilumine, sempre, o teu rosto. Que os desencontros sejam apenas de olhares distraídos. E que, de encontros, se faça de agora em diante o nosso tempo. Porque é por ti que, hoje, se fazem as coisas mais bonitas da minha vida.



.para Daniel,

amor de todas as minhas vidas.

Cio

Frank Tusch

Lua cheia
e eu
gata
no cio
enciumada
fazendo farra
em
cima
do telhado
alto com você

Do simples amar

Steven N. Meyers



Falar de amor é fácil. Os poetas falam, cantam, e encantam o amor. Fazer o amor é o que complica. Amar é coisa séria. Com amor se ama. Sem medo, sem tempo, sem pressa. Na rede, na cama, na relva. Amor é mordida na nuca, é pele, encontro das almas. É rima com verso solto. É tudo. É o enlace das mãos e a troca das frases perdidas e perfeitamente lindas entre um beijo e outro. Amor é o desejo que não tem fim. Os momentos em cor de manhã e as doses doces de intermináveis carinhos. Amar é abraçar a alma, mergulhar um no outro, suspirar baixinho "eu te amo". De cinco em cinco minutos. Ou em vidas. Amar é simplesmente gostar de estar junto. É deixar-se prender e, ao mesmo tempo, ser livre para sentir o amor. Amar requer entrega, troca, movimento. É verbo que se cuida com a ingenuidade do sorriso de uma criança. Não se ama em doses homeopáticas. Há que se viver o amor todo, no todo, e em tudo. Das sensações mais simples ao furor dos encontros. Isso é amor. Em segredo, secreto, ou explícito. Cada um do seu tipo. Mas sempre amor.





"Que importa o sentido se tudo vibra?"
[Alice Ruiz]

:)

O amor é azulzinho

Norbert Rosing


Naquele dia, na fração de segundo em que o meu braço tocou o teu, alguém pintou o céu de menos azul. Menos azul porque, até então, a cor do céu e dos teus olhos era igual. O céu, para mim, sempre aparece nos teus olhos, sabia? E eu sempre quero olhar o céu em ti. Mas como os fatos da vida me obrigam a olhar um tanto mais para o céu de verdade, aquele das nuvens, eu assim faço. Acontece que, ali, quando o meu braço tocou o teu, eu vi que a tua alma é ainda mais bonita do que os teus olhos. E que do teu sorriso se faz poesia de estrelas. E que o calor da tua pele faz sentir como se o sol me tocasse o rosto com um beijo. E que, sim, o azul dos teus olhos é mais bonito do que o azul do céu e do mar juntos.






as vogais se entendem.