A outra

Edoardo Pasero


Ela ficava ali, assim, de canto, na espreita, disfarçada, latente. E eu, menina assustada, atrás da porta, escondida. Num dia, chegou bem perto, sem rodeios, direta: — Qual é a tua, hein, garotinha mimada? — disse ela com voz atrevida. Daquele dia em diante, troquei de roupa, de marido, de trabalho. E comecei a ser feliz. Outra em mim. Deixei. E ela ficou. Minha despedida dos restos de tudo o que sobrava. E não fazia falta.

Fairy moon


Em terra de fadas e dragões, a moça dos cabelos dourados em trança venceu as noites e as tempestades. Tudo para procurar amor. E, no encontro, desejou que, de beijos de açúcar e de toques de plumas, transformassem-se os dois em uma só alma. E assim se fez. E d´eles se fez nova vida. Em nove luas, novas, por toda a vida, uma.

D´Amélie

Bogna Kuczerawy


Não gosto de algumas coisas. Poucas, não muitas, me desagradam. Mas, dentre elas, eu não gosto é das contradições. Prefiro os lábios colados em beijos que dispensam detalhes. Sem recortes ou entremeios. Detesto os vãos ou as frestas. De nada me servem. Só mostram partes de um todo que não reflete tudo o que envolve. E não gosto também de dúvidas. De passos estreitos ou de frases perfeitas que acomodam situações. Sou gata de rua. Escaldada. E não me faço inteira se não me sentir segura. Posso sumir por um dia. Ou a vida inteira. Nada me prende se não for puro sentido, poesia, movimento. Fico com Maiakovski em todas as linhas. Ontem passou. Hoje sou toda coração. Me chamam, por vezes, de medo, fuga, disfarce. Que definam. Limitem, se assim quiserem. A menina boba que chora. Le fabuleux destin.






Nonsense

Vicky Brago-Mitchell

E, quando me encontrar de novo, me abrace como em Shalott. Com poemas de Shakespeare. Ou, entre as minhas pernas, Bukowski. Preciso ir para longe. Júpiter ou Marte. Em camisas de Vênus. Nas ruas de Xangai. Ou uma ilha em blue, com som de blues, no Havaí. Em meia hora. Agora. Peça um chá. Em francês. Não se despeça ainda. Tire a minha roupa. Olhe a minha alma. Não demore. Ou, demorando, faça com jeito. Me [re]conheça. E se, ao acaso, por outros acasos, eu tentar fugir, não me solte. Você sabe, não foi fácil voltar aqui.

Conjugações

Gustav Klimt

Era ali, entre um abraço e outro, que eu queria ficar. Sem descompassos, entrelinhas, dissabores. Onde a frase se completa com palavras curtas, breves, e de cor leve. Em acordes, sonata ao luar e coisas afins. Por que esse é o momento de amar. Nem antes, nem depois. É ali, quando o fato, por si, basta. E diz o que é. Sem voltas, portas - ou palavras - entreabertas. Sem frestas. No espaço de não precisar argumentar nada [no nada de tudo,


e no tempo perfeito que é o amar].